Sunday, January 28, 2007

DIAS NUBLADOS



NALDOVELHO

Dias nublados no mês de novembro
às vezes são tristes, doídos, sofridos,
são como partidas mal resolvidas,
lembranças guardadas de um passado perdido,
feridas persistem, latentes comigo.

Dias nublados, ainda chuvosos,
fui fechar uma porta, prendi os meus dedos,
mas a dor que eu sinto não é mais um segredo
e as lagrimas que eu choro cicatrizam feridas.

Mês de novembro, poemas paridos,
sementes lançadas em dias de vento,
vão crescer forasteiras em outros abrigos,
alguns bem distantes do meu braço amigo.

Dias nublados, não tenho fronteiras,
vou ser sempre um estranho a caminhar pela vida,
difícil jornada de um homem em desterro.

Dias nublados que eu choro sozinho,
o meu corpo cansado, reabriram as feridas,
a dor que eu sinto é o mais puro desejo
de um pouco de paz, de um colo amigo.
Alguém que me escute e me dê um abraço,
que me seque as lágrimas e quem sabe um beijo?

Já faz algum tempo, eu venci os meus medos,
já faz algum tempo que eu perdi seu sorriso.

Queria que alguém me emprestasse um lenço...
Quem sabe uma erva, um remédio bem forte?
Para curar esta dor que eu trago comigo.
Quem sabe eu possa, então, descansar?

Saturday, January 27, 2007

DIA NUBLADO



NALDOVELHO

Dia nublado, manhã chuvosa,
janelas abertas pro desassossego.
As ruas desertas, o mês é dezembro,
o telefone não toca, escrevo uma carta,
é quase um poema, é quase um lamento.
A maresia da orla invade o meu quarto,
o som de uma música, o dedilhar de um piano,
lembram tantos planos e os meus desenganos.
A campainha da porta estridente que toca,
é só o porteiro trazendo cobranças,
é só o desterro nesta cidade nublada.
Teu nome é distância, que às vezes sufoca,
teu nome é ausência, não sei se te importa?
Ainda te amo, não sei se te quero,
não sei se te espero ou me desespero,
teu nome é demora que não vai embora.
Tomar um café, fumar um cigarro.
Ligo o rádio e o que presta não toca,
Ainda bem que não toca, se não eu choro!
Melhor ir embora, melhor esquecer,
procurar outro lugar onde eu possa viver,
pois neste ambiente persiste o teu cheiro.
E o dia prossegue, e a chuva insistente,
continuo um descrente, um poeta, um tolo
que se alimenta de versos, cantigas, memórias;
que não percebe que o sol já se pôs,
vida que segue e eu não consigo te esquecer.


COISAS RARAS, PRESENTES


ARTE: CHELIN SANJUAN
NALDOVELHO

Trago em minhas mãos,
coisas raras, presentes,
essência de alfazema,
iguarias do mar,
pedras preciosas,
cristais reluzentes,
de puro brilho e pureza,
para enfeitar-te ao luar.
Trago também muita paixão
num coração destemido
por tantas e muitas escolhas,
batalhas, perdas, vitórias,
por muitos caminhos, perigos,
pela busca incessante de abrigo.
Trago o carinho dos tolos,
a inocência da criança,
a audácia dos amantes
e a verdade dos poetas,
pois minha nudez é coisa certa,
garantia de que o que eu hoje te oferto
tem a transparência das águas
e o frescor da brisa envolvente
é alimento, é fruto sadio,
colhido em terras distantes,
em tempos de andanças, errante.
Faz tempo eu procuro teus braços,
teu colo, teu corpo, um lar.

CIDADE NUBLADA



NALDOVELHO

Nas primeiras horas da manhã:
janelas abertas, nuvens compactas,
e um vento frio e abusado,
traz pra dentro do quarto
cheiro de terra molhada.
Na claridade da manhã,
chuva fina e insistente,
travesseiro em silêncio
num canto da cama, ainda desarrumada.
Nada de novo nas horas,
tudo é hoje como era antes.
Nada que mereça um poema,
uma cantiga, ou mesmo uma crônica.
O vazio dos dias, faz tempo, me persegue
e a gastura não deixa espaço para a inspiração.
Um café quente, um cigarro,
não sei até quando o pulmão agüenta...
Melhor não pensar!
Lá fora os carros que passam,
constroem com a fumaça
um quadro cinzento, estranho...
Cidade nublada, vazia de sonhos.

COMPREENSÃO



NALDOVELHO

Tracei com um compasso uma circunferência
e dentro dela semeei palavras plenas.
Cuidei que enraizassem
para que depois de frutificadas,
pudesse eu colher palavras tenras,
de suave fragrância e doce sabor.
Colhi a palavra ternura,
a palavra carinho e a palavra amor.
Passado algum tempo,
assim, como, por acaso,
percebi quê, por ali, também brotavam
apesar do cuidado e trato,
palavras ácidas, amargas, ásperas,
que por mais que eu lhes recusasse a colheita,
espalhadas pela circunferência,
formavam frases estranhas,
numa tentativa de versos,
que eu chamaria de perversos,
pois ervas daninhas que eram
teimavam em mostrar solidão.
Ainda bem que as palavras plenas,
inquietas e em espírito insurretas,
numa manhã bem clara de dezembro,
acasaladas que estavam geraram,
a palavra derradeira em meus versos,
num poema intitulado compreensão.

DEDICADO A MARIA



NALDOVELHO

Carece não Maria!
Não precisa temer pelo poeta,
ele é forte, um guerreiro, um asceta,
pois mesmo que acidentado o caminho
e ainda que siga sempre sozinho,
ele há de sobreviver.

Carece não minha amiga!
Não tema pela sanidade dos meus versos,
o poeta é um sobrevivente confesso,
um ser ungido pelo destino,
porta-voz de tantos lamentos,
de tantas paixões e sofrimentos,
um taumaturgo a curar nossa dor.

Carece não Maria!
Não tema pela dor que hoje sinto,
ela é o alimento preciso
a manter acesa a chaga
que lateja em nossas entranhas
para depois ser parida em poemas
que irão materializar o nossos sonhos.

Carece não minha amiga!
O poeta é um protegido de Maria,
um ser a buscar sempre o regresso,
pois em desterro é um andarilho
a abrir picadas, estradas
que nos sirvam na caminhada
em direção ao Pai.

Carece não Maria!
Não tema por palavras que espetam,
são teus os meus poemas,
pois o amor que hoje eu sinto,
não se contenta só com os meus versos,
até por que tu também és poema,
mulher corajosa que se desnuda inquieta,
que busca, que sofre e se move
em busca da compreensão.

Thursday, January 25, 2007

TUA MAGIA


Arte: Bruno Di Maio

NALDOVELHO

Que magia é esta que me põe do avesso?
Sequer sei se te mereço!
Só sei que me faltam pernas
e as mãos ficam suadas, trêmulas,
visão embaçada, aperto no peito e voz embargada...
Prenúncio de lágrimas, prenúncio de dor.

Que magia é esta capaz de tanto desassossego?
Que me faz sentir por dentro
uma espécie de assanhamento,
me faz perder o medo
de ousar tantos e sentidos versos,
em prosas, cantigas, poemas.

Só pode ser feitiço bem feito,
consumado em noite de lua cheia,
banhado em água de cheiro,
depois sagrado nas águas às sereias,
num tributo a Mamãe Oxum.

Magia que acende a luz em meus olhos,
que faz da madrugada uma escolha
e da visão do teu corpo um martírio:
pele branca, cheirosa e macia.

Quisera eu, nunca mais amanhecer!
Só pra ficar cativo em teus braços.
Queria poder merecer teu bem querer.

Wednesday, January 24, 2007

ANJO INOCENTE


Arte: Tutti Nunes
Título: Inocência

NALDOVELHO

Anjo ferido na beira do abismo,
não sabe que o colo que aquece padece,
não sabe a criança de olhar inocente
que a mão que semeia também sabe ferir.
Não sabe da farpa, da fuga e da fúria,
não sabe da faca, do corte e do sangue,
mas sente a dor da sede e da fome,
ressecadas as lágrimas, nem sabe sorrir.

Anjo inocente na beira do abismo
não sabe seu nome, nem seu sobrenome,
olhar embaçado, desesperançado,
não sabe das águas, do trigo e dos sonhos,
teu tempo é escasso, logo-logo partir.

Armei um presépio lá em casa este ano,
o Cristo era negro e morria de fome
na mesa tua carne, nos copos teu sangue,
nas ruas do mundo a inconsciência do homem;
transpassados os cravos, dilaceram-te as mãos.
Por mais que eu tente não consigo sorrir.

Tuesday, January 23, 2007

QUIETUDE DA ALMA



Arte: Joana Ara Pons

NALDOVELHO

Passarinhos passeiam pela sala
e um gato sonolento espiona.
conversa travada em silêncio,
cumplicidade premeditada com o tempo.
O cheiro de café coado bem forte,
pão francês, queijo branco, angu de corte,
biscoito de nata, goiabada cascão,
manteiga sem ranço, tarde-noite macia de agosto
e uma certa brisa quente no ar.
Que tal encostar, assim, mais um pouco?
Embaraçar de vez nossas pernas?
Suas mãos mal intencionadas provocam...
O meu corpo aquecido responde.
Espreguiçadeira repousa na varanda,
samambaia chorona ao vento.
Quietude precisa da alma
que anoitece aconchegada em seu colo.

Monday, January 22, 2007

POEMA INACABADO



NALDOVELHO

Louva-deus sentado na janela,
observa contrito o dia que passa.
Dentro do quarto, em cima da mesa:
pétalas, pensamentos, palavras, poemas.
Lá fora entardece, e um vento inquieto avisa:
logo-logo anoitece!
Pela janela: sol sonolento abençoa louva-deus.
Em cima da mesa: versos confessos, segredos, solidão.
Num canto do quarto, pendurada: renda portuguesa
diz que adora o poeta, que lhe tem devoção.
Pela janela: luz da lua ilumina louva-deus.
Aqui dentro: poema inacabado,
onde palavras são pétalas, esboço de oração.

AO PASSEAR POR SUA PELE


Arte: Cida Monteiro

NALDOVELHO

Ao passear por sua pele
eu descubro quase tudo;
marcas, sardas, cicatrizes,
fendas, dobras, diretrizes,
essências que brotam impunemente
néctar envenenado de serpente
suor, saliva e aguardente.
Se não é, parece!
Pois toda a vez que eu percebo,
já nem sei das minhas pernas,
embriagado que estou.

Ao passear por sua pele,
deixo marcas preciosas,
abro todas as janelas,
escancaro minhas portas,
escorrego, não importa!
Se num recanto obscuro
eu me lambuzo do seu ser.

Ao passear por sua pele
eu me envolvo em suas teias
e absorvo tantas chamas,
colho gemidos quase loucos,
se não morri ainda, foi por pouco!
E então escrevo o absurdo,
poemas plenos e obscenos,
choro lágrimas convulsivas,
ferida aberta, carne viva...
Detesto a hora da partida,
pois toda vez que amanhece,
vou pra bem longe de você.

Sunday, January 21, 2007

NEGRA É A SUA VOZ


Arte: Tutti Nunes
Título da Obra: Fortaleza
http://www.spaces.msn.com/art-brasil

NALDOVELHO

Negra é a sua voz criança!
Serra acima, cordilheira,
América dos sonhos,
dos sonhos de cristal.
Cristal de ponta cravado
no seio da terra,
no centro das coisas
ditas naturais.
Negra é a sua voz
de norte a sul,
seu grito mais forte,
sentido na carne,
latente nos “guetos”,
forjado na fome,
na espera sem fim
pelo feito só dito,
não feito, desfeito
no meio da massa.
Negra é a sua voz, homem!
Fugindo nos becos,
falando às escuras,
morrendo em cortiços,
fingindo e calando,
matando e morrendo
sem ter razão.
Na terra dos sonhos
dizem que Deus perdoa

quem tem razão!
Será?
Creio que não!
E a sua existência
é filete de vidro
espetado na palma
de nossas mãos.

ÁFRICA


Arte: Tutti Nunes
Título da Obra - Pietá de Baidoa
http://www.spaces.msn.com/art-brasil

NALDOVELHO

Trilhas estranhas, histórias, tormentos,
trevas, tropeços, portas trancadas,
terras, fronteiras, cicatrizes expostas.
É sina do homem crescer pela dor.

Conflitos, abismos, batalhas, loucura,
o cheiro de sangue, o medo, a tortura,
na fúria da guerra a fome consome,
em teu colo a criança, não chora, não come.

Lágrimas não chovem, ressecadas as pétalas,
caminhos incertos, agoniza o sonho.
O rio minguou, o leite secou,
olhos vidrados espelham a dor.

Teias estranhas, nem sei o teu nome,
só sei que és negra e padeces de fome.
No berço do homem deserto de amor,
morre a mingua o filho do Nosso Senhor.

Friday, January 19, 2007

OS QUATRO LADOS DE UM POEMA



Do lado de fora,
sempre o mesmo lado,
um querubim sedento,
meio embriagado,
lia um poema.
Embora isto me doa,
versos debochados.
Do lado de dentro
um enamorado
esculpia um verso.
Embora isto me doa,
muito sentimento.
Do lado de cima,
meio pendurado,
um ser bem desvairado
versejava atento.
Embora isto me doa,
versos bem cuidados.
Do lado de baixo,
versos sem escolha,
desentranhamentos...
Embora isto me doa,
toda a vez que eu toco
sangro mais um pouco.