Sunday, April 15, 2007

POR ONDE ANDARÁ O POETA?



NALDOVELHO

Por onde andará o poeta
quando ele de mim se ausenta?
Quais caminhos ele insanamente percorre?
Com quais enredos atrevidamente se envolve?
Quais sementes ele trará para os versos?
Quantas histórias em sua memória,
quantas vivências assimiladas,
quantas vertentes por ele exploradas?
Por onde andará o poeta
quando ele de mim se ausenta?
Por mais que eu tente não consigo imaginar,
por tão limitada à visão do mortal que questiona,
a ilimitada vontade do imortal que impulsiona,
por onde andará o poeta
quando ele de mim se ausenta?
Será que por abismos trevosos?
Será que por paraísos perdidos?
Quantos amores terão suas marcas?
Quanta saudade existirá em seu peito?
Quanto do homem que hoje existe
terá sido construído a partir dos seus sonhos?
Por onde andará o poeta que vez por outra me habita?

TIRA O ESPINHO DA FERIDA



NALDOVELHO

Quantas coisas tortas, loucas,
quantas pontas frouxas, soltas,
quantos barcos a deriva,
quantos becos sem saída,
quantas trilhas proibidas.
Nos atalhos desta vida
tens o dedo na ferida,
alucinam-me os teus ais.
Afiadas farpas nas entranhas,
se tu choras, eu me assanho,
quantas lágrimas, quanta manha,
quantas noites de insônia,
quantos sonhos desconexos
pela beira do abismo,
tens a perda dos sentidos,
desesperam-me os teus ais.
Versos cheios de vergonha,
quantos rios, quantos cios,
heresia brota insana,
corredeiras tão estranhas,
vê se esconde esta peçonha,
vê se abre esta janela,
vê se deixa de besteira,
tira o espinho da ferida,
dilaceram-me os teus ais!

Saturday, April 14, 2007

EM CIMA DA MESA



NALDOVELHO

As portas, os trincos, as trancas, tramelas,
janelas fechadas, carências, esperas,
fiquei tão sozinho, estranha quimera.
Junto ao abismo construí o meu ninho,
maresia que rola corrói as entranhas
e o vento que bate apaga a chama.
Nostalgia tamanha, incomoda e arranha.
O som de um piano, harmonia de enganos,
dissonâncias que a vida deixou de presente,
ainda as guardo comigo, todas latentes.
Cortina entreaberta, penumbra ambiente,
o rádio ligado, melodia estranha,
um poema com versos inquietos, profanos.
A campainha que toca, provável engano.
Faz tempo eu mudei, não avisei a ninguém!
Vivo trancado, só que ainda não sei.
Do caminho, passagem, perdi minha chave!
As lágrimas que eu tenho, conservo-as acesas,
e os muitos guardados revelam tristezas,
e os muitos poemas testemunham a cena.
Testamento que eu deixo em cima da mesa.

Saturday, April 07, 2007

ESTRANHO RITUAL



NALDOVELHO

Fio, pavio, chama...
Velas acesas espalhadas pelo quarto.
Roupas amarrotadas amontoadas num canto.
Na mesa de cabeceira o retrato dela.
Na cômoda, perto da janela,
a imagem do um santo:
São Sebastião do Rio de Janeiro.
Em volta do pescoço, cordão e crucifixo
e um olhar perdido, voltado para a janela,
percebe sombras, ruas, noites, esperas.
Um perfume suave toma conta do ambiente.
Uma vitrola antiga toca um disco da Gal.
Baby! Te amo, te amo, te amo.
O tecido esgarçado, apesar de cerzido,
mostra uma história com muitos desencantos.
Dor de ferida que corrói as entranhas.
Uma nostalgia estranha toma conta das horas
e as velas permanecem acesas.
Muitas sombras passeiam pelo quarto.
Estranho ritual!
Saudade, nostalgia, desencanto,
tudo regado à aguardente...
Gal ainda canta: Força Estranha!
Estranho ritual.
Fio, pavio, chama...
Velas acesas incendeiam o quarto.

Friday, April 06, 2007

REVELAÇÕES


Arte: ANNA BARROS - ENIGMA

NALDOVELHO

Letras esquisitas, destrambelhadas, proscritas,
constroem poemas rebelados, estranhos.
São gritos de clausura, loucura, delírio,
imagens insanas reveladas em meus sonhos.
Poemas inquietos, sementes urgentes,
letras ardidas, molhadas, indecentes,
gotejam impunemente e revelam segredos.
Revelam o amor que eu trago escondido,
revelam o esconderijo, o refúgio, o abrigo,
revelam janelas, faz tempo, fechadas
e portas convenientemente trancadas.
Revelam ventania que venta aqui dentro,
revelam calmaria que reina lá fora
e a serventia dos versos que afloram.
Revelam a dor que existe em meu corpo
e o desconforto, lado esquerdo do peito,
revelam o orgasmo dolorido, contido,
revelam seu cheiro, ainda o tenho em meus dedos,
revelam marcas, cicatrizes, tatuagens,
equivocadas escolhas, caminhos, bobagens,
distâncias enormes, esperas, saudades...
Revelam um inverno, chuva fina e insistente,
apesar do outono desobediente lá fora,
revelam que a poesia transborda, derrama,
ainda quê, em letras promíscuas, profanas.


Wednesday, April 04, 2007

ÀS MULHERES GUERREIRAS



NALDOVELHO

Sei da fonte de onde brota a guerreira,
sei da coragem que transpira mulher,
sei que nos campos de batalha
és sempre a primeira a guiar teu povo,
a perceber ciladas, a derrubar barreiras,
para que possam seguir sempre em frente.

Sei do mel que escorre dos teus olhos,
e da generosidade amiga do teu colo,
sei que és palavra abrigo às tormentas,
e que no furor das batalhas,
não trazes nas mãos sangue inocente.
Conheço tua têmpera, sei também que trazes
a força e a justeza dos puros de coração.
Sei dos teus sonhos e do quanto eles podem curar.

E ainda que haja a espera, a distância e a perda,
sei que a danada da saudade
não será capaz de te matar,
pois tens a benção dos ungidos,
dos que conhecem os segredos das águas,
do fogo, da pedra e do ar.

Sei que trazes nas mãos as sementes
da Paz que ainda há de chegar.

Tuesday, April 03, 2007

AO ESCREVER POEMAS


ARTE: JOANA ARA PONS

NALDOVELHO

Tenho a mão pesada ao escrever poemas,
abro, no papel, profundos sulcos, tipo, leito de um rio,
por onde navegam palavras, pensamentos, histórias,
coisas colhidas nas trilhas desta vida.

Não acaricio as palavras, espremo-as,
até ter delas seu sumo, seus significados.
Uso cores agressivas, por vezes exuberantes,
quando tento passar uma mensagem.

Quando falo de saudade prefiro o cinza,
nostalgia navega em branco e preto
e a revolta em águas barrentas, sempre!
Estou mais para a realidade, a vida me fez assim!

Tenho a mão pesada aos escrever poemas,
machuco o papel, até perceber que ali existe
sangue, suor, saliva, sentimento,
não sei escrever sem expor feridas.

Parir versos é remexer nas entranhas,
é cutucar cicatrizes, fazê-las ardidas,
só assim o poema sobrevive
e eu consigo exorcizar minha dor.

BICHO HOMEM



NALDOVELHO

Cada ponto, cada pedra,
cada trecho do caminho,
tem ciladas, tem espinhos,
tem o cheiro da incerteza.
Lua cheia quando nasce,
crescem garras, crescem presas,
e eu só sei que o bicho homem
ainda fere se tem medo,
ainda mata se tem fome.

Toda história tem segredos,
toda a trama tem mistérios,
marcas, rastros, seus relevos,
tem fissuras, cicatrizes.
Mar revolto quando chega,
embarcação fica a deriva,
e eu só sei que o bicho homem
ainda chora se tem sede,
ainda foge dos seus sonhos.

Cada gota do meu sangue,
cada gesto de ternura
tem um pouco de loucura
e tem por traz a sede e a fome.
Ventania quando chega,
vem trazendo tempestade,
e eu só sei que o bicho homem,
se troveja, se esconde,
e rasteja e rasteja...
já nem sabe mais seu nome.

Sunday, April 01, 2007

O QUE VOCÊ VAI FAZER DO RESTO DE SUA VIDA



NALDOVELHO

Na força dos ventos, outono dos dias,
um murmúrio, um sussurro, um recado dos longes,
um segredo que a vida escondeu já faz tempo.
Melodia que insiste, dolorida e tão plena,
muito mais que um poema, na verdade um romance,
sem dia e hora para terminar.
Na força das águas, uma voz surpreende,
pensamentos, verdades, sentimentos perenes,
uma história que a vida não ousou consumar.
A lembrança de um beijo, cabelos, fios, tão finos,
e um sorriso abusado num olhar contundente.
Ainda bem que é um sonho, pois a pele ainda é fina,
volta e meia costuma sangrar.
Na força de um sonho, melodia que arde, arranha e incomoda,
uma pergunta que o tempo não ousou responder.
E por mais que nos doa, Della Reese ainda soa,
Michel Legrand ao piano:
O QUE VOCÊ VAI FAZER DO RESTO DA SUA VIDA?
Melhor nem pensar!