Sunday, February 17, 2008

POEMAS E SEUS CUIDADOS



NALDOVELHO

Poemas inchados por natureza prematuros,
precisam ser cuidados, pacientemente tratados,
alguns, após lapidados, revelam intenso brilho,
e outros se recondicionados ficam como novos,
há sempre espaço para novas abordagens.

Às vezes, em excesso, palavras precisam ser extirpadas,
pois derramam e embaraçam a trama,
turvam a história, estragam o enredo,
impedem ao verso a plenitude do seu tempo,
e ele necessita ser exato, nem mais, nem menos.

Melhor que não pareçam raízes de um só umbigo,
que sejam então promíscuos em muitos sentidos.
Se forem românticos, atenção redobrada...
Paixão em demasia costuma melar o verso,
e fazem-no parecer patético.

Mas é bom tomar cuidado,
palavras abusadas gostam de intimidar o poeta,
tentam impingir pretensas erudições
e nada mais fora do seu tempo
do que versos que não falem aos corações.

Poemas, ainda que doam, teimosos, escoam,
por mais que as pessoas os pensem complexos,
por mais que não leiam, nem os queiram por perto,
sobrevivem inquietos no coração do poeta,
espécime raro ameaçado de extinção.

Wednesday, December 12, 2007

PREDADOR DE SI MESMO



NALDOVELHO

Dentro do quarto: curto circuito,
coito interrompido, coisa mal resolvida,
prenúncio de partida, de preferência sem despedidas.
Quem foi que disse que era para ser eterno?
O poeta? O poeta é um louco!
Abre a janela, derrama sonhos,
inquieto se entrega ao abandono,
escreve um monte de bobagens e morre.
Morre ausente de si mesmo,
morre de amor e vida,
sufocado por dor de partida,
bêbado de desenganos,
soterrado em seus escombros.
Lá fora, o tempo finge que vai embora,
anuncia ser mero observador,
ri da pretensão do poeta,
mostra que a eternidade não existe,
e diz que aquele que insiste
vira o seu próprio predador.
Dentro do quarto: poemas,
inventário dos meus estragos,
alguns perecem inacabados;
outros: pretensas tentativas
de me eternizar nas palavras...
O poeta?
O poeta é um tolo!
Prenúncio de despedida,
predador de si mesmo,
derramado em seus sonhos
pelos becos sem saída,
esquinas que ele não dobrou,
poesia que ele não ousou.

Tuesday, December 11, 2007

TOADAS DE ABANDONO



NALDOVELHO

Violão instigante, acordes dissonantes,
melodias profanas, toadas de abandono.

Paisagens saudosas de Minas,
dormentes de trilhos que trago,
cravados dentro do peito.
Dedo e meio de prosa,
café fresquinho no bule,
angu de corte e a certeza,
porteira aberta pro mundo!

Lembranças lá das funduras,
de um tempo que não volta mais.

Raízes que trago, não nego!
Cachaça madura de engenho,
Seu Nicolau nos chama:
quero moda de viola, meu neto!

Se não lembro da letra eu invento...
Leopoldina, Chácara do Desengano.

Rimas! Pra que as quero?
E é um tal de jogar conversa fora,
lugar algum é o bastante,
pressa nenhuma pra chegar.

Virei vento frio de outono,
cantiga antiga de partida,
águas tranqüilas, riacho,
sementes que espalho, poemas...
Quando acordar deste sonho,
já vou estar em outro lugar.

Sunday, December 02, 2007

CORTE EM CARNE VIVA



NALDOVELHO

Arde!
É corte em carne viva,
sangra toda vez que eu toco
e eu nem sei como evitar.
É dia,
é luz que alucina
e invade o meu quarto,
intrusa em meus sonhos,
veneno que vicia,
tempestade e calmaria.
Já não sei mais navegar.

INCOERÊNCIAS



NALDOVELHO

Tem dias que eu penso tempestade,
e ainda que em copo d’água,
inundo toda a casa,
e semeio muita confusão.
Tem dias que eu transpiro calmaria,
silêncio e recolhimento,
inquietudes e desentranhamentos.
Tem dias que eu me revelo em fantasias,
escrevo muitos poemas,
invento imagens estranhas,
tipo alucinação!
Tem dias que eu tropeço em realidades
coisas amargas, doídas,
retratos desta nossa civilização.
Tem dias que eu acordo pensando que sim,
entardeço achando que eu não mereço,
anoiteço certo de que tudo tem o seu preço
e adormeço pleno de desilusão.

CONVERSA DE POETA



NALDOVELHO

Conversa de poeta
pelas ruas da cidade,
esquinas de saudades,
pelos becos, pelos bares.
Madrugada corre solta
e a lua enamorada
vez por outra ainda apronta.
Traz janela entreaberta,
traz o colo da morena
e a poesia se completa
no aconchego dos meus sonhos.
Amanhece na cidade,
no café do bar da esquina
e no perfume da menina
que me deu tanto prazer.
Conversa de poeta,
brota em versos, não se aquieta,
pelas ruas, pelos becos,
pelas praças, pelos bares,
tantos outros, quantos bardos!
Poesia é coisa certa!

CIDADE DESERTA



NALDOVELHO

Dedilhar num piano,
nota por nota,
construir um acorde,
uma harmonia indecente
num piano envolvente.
Janelas abertas,
cidade deserta...
Quem sabe um tango?
Quem sabe um bolero?
Mas que seja um cubano!
Saudar os meus planos
e meus muitos enganos.
Já faz tanto tempo,
na cidade dos sonhos,
uma dúvida incomoda,
um quê de quero, não quero,
acender um cigarro,
uma Wodka do lado,
um frio danado,
inventaram o inverno,
só pra doer mais
a saudade que eu tenho,
saudade de você.

CAMINHOS CONTRÁRIOS



NALDOVELHO

Caminho contrário à força dos ventos,
poema do avesso, perdi meu apreço,
ainda tenho as malas, só não sei o endereço
e os meus olhos não vêem as margens da estrada,
mas percebo ao longe o barulho das águas,
o cheiro das matas, da terra molhada,
e sinto na carne o chicote do tempo
que vibra inclemente e traz dor de presente.
Caminho escorregadio, perigoso, estranho,
e tem um abismo, lado esquerdo da estrada,
ainda que eu não o veja, sei que está lá.
Escolhas que eu fiz e, ainda hoje, as faço,
por íngremes picadas, acessos que eu tento,
sempre ao relento, madrugadas molhadas.
Solidão e tristeza numa longa jornada,
dormir ao relento, comer quase nada,
nenhuma estalagem que sirva aguardente,
nenhum colo quente de beira de estrada,
só o silêncio de outras jornadas,
viajantes que trilham caminhos complexos,
ainda assim, diferentes, contrários ao meu.

CICATRIZES



NALDOVELHO


Portas fechadas, ruas desertas,
nenhuma conversa, janela entreaberta,
silêncio inquietante em quarto minguante,
e o meu telefone se toca, é engano.
Cidade vazia, distante e perversa,
sobrou o perfume e um livro estranho,
cidade dos anjos, caídos, sem sonhos,
de asas cortadas não ousam voar.
Sobrou um poema de versos profanos
e na madrugada vazia de planos,
um bolero arrastado, um blues e um tango
avisam que o dia ainda custa a chegar.
E mais uma dose de pura aguardente,
a sede que eu tenho já faz tantos anos,
cicatrizes que eu trago, a maioria latentes,
algumas ardidas ainda sangram se toco,
outras antigas exibidas nos olhos,
vez por outra ainda choram se insisto em lembrar.

BOCA



NALDOVELHO

Boca oca...
Recusa-se ao beijo,
mastiga o desejo,
tropeça na língua,
saliva palavras,
engole lágrimas.
Saciada a sede
adormece e cala.

BELAS PALAVRAS CONSTROEM UM POEMA



NALDOVELHO

É preciso abrir a cortina, quero luz em seu rosto.
Belas palavras descrevem o seu corpo,
muitas palavras escondem meus medos,
pois são seus os meus segredos, meu cheiro, meus gostos.
É preciso abrir a janela do quarto.
Quero a brisa suave que embriaga a tarde,
quero cheiro de terra, de chuva, de flores.
Belas palavras constroem um poema,
muitas palavras definem o que eu sinto,
coisas sagradas preciosamente guardadas.
Eu preciso ofertar-lhe um cálice de vinho,
tipo suave, licoroso e branco.
Muitas palavras, ditas, sussurradas,
promessas veladas, quanta esperança!
É preciso que haja silêncio no quarto.
Quem sabe uma música melhore o ambiente
e faça você dormir aconchegada em meus braços?
Quem sabe você não precise partir?

ATÉ BREVE



NALDOVELHO

Palavras perversas, inquietas, repletas,
de muita ousadia, rebeladas e incertas,
contrárias aos versos oprimem o poema,
quedam-se em silêncio ao rejeitar a dor
que a nostalgia que eu tenho é capaz de ofertar.
Negam a saudade e transformam o poeta
num viajante em busca de outras paisagens,
estiagem que a vida nos traz.
Palavras perversas, indiferentes, vazias,
abortam a poesia, sufocam a emoção
que lágrimas discretas teimam em mostrar.
E no rosto, um sorriso amargo e impreciso,
acossa e o que resta jaz em silêncio.
Securas que a vida nos traz...
Melhor então fechar as cortinas
e um aviso na porta: o poeta resolveu viajar.
Não se sabe bem pra onde e nem quando vai voltar.
Melhor então dizer até breve!
Navegar sozinho, é preciso,
até reencontrar um norte
e restabelecer em mim o juízo.
Desencontros que a vida impõe...

AMANHEÇO



NALDOVELHO


Amanheço, um café bem quentinho,
uma ducha gelada, espantar a preguiça
de uma noite bem dormida.
Sonhei com uma praia deserta,
bom que a vida se fez sem pressa.
Têm dias que eu gosto de estar sozinho,
sem ter alguém pelo caminho,
sem ter alguém do meu lado,
a cobrar que o amor seja pleno,
a injetar-me algum tipo de veneno.
Que bom que o dia está nublado
e o mar batendo agitado.
Parece que a chuva se apressa,
um vento frio e gelado
a mostrar que está tudo acabado
e que ainda assim, valeu a pena!
Sem lágrimas, sem aperto no peito.
Não preciso mais chorar em versos.
Melhor então abrir as cortinas,
é bom ver gotas de chuva,
sentir o cheiro de terra,
sem ter que me preocupar com você!

ANJO CAÍDO



NALDOVELHO

Um ser invade a noite
em busca de uma saudade,
em busca de uma estalagem
onde possa se abrigar.
Resgatar seu destino,
refazer seu caminho,
desentranhar do passado
tantas coisas, pecados,
escolhas, caminhos errados,
exorcizar sua dor.
Certamente, um ser da noite,
um anjo caído, sofrido,
por tantos anos banido
e que por um amor não consumado,
voou por trilhas estranhas
e hoje não sabe mais voar.
Tenta curar suas chagas,
redescobrir a emoção
e no silêncio do seu quarto
encontrar a compreensão.
Quem sabe lhe devolvam as asas
e lhe ensinem sobre o perdão?
Quem sabe curado da dor
possa então de novo voar?

ALVARÁ DE SOLTURA



NALDOVELHO

Transborda, inunda, afoga,
incomoda e queima as entranhas,
ardência estranha...
Paixão que arranha a estrutura,
que tira do prumo e leva à loucura.
O chão estremece, palidez e tontura,
delírios insanos, delícia e tortura.
Melhor buscar logo um alvará de soltura,
Quem sabe os meus versos possam advogar?
Quem sabe um poema possa me libertar?
Ter de volta as pernas, poder caminhar.
Desfeitas as teias, poder respirar.

Wednesday, November 28, 2007

O POUCO QUE NOS RESTOU



NALDOVELHO

Pétalas pálidas, descoradas, descontentes,
folhas desnutridas, desmaiadas, sem vida.
Espinhos ressecados, ainda ferem o inocente.
Um jardim tão mal cuidado,
o jardineiro se fez ausente;
ervas daninhas dominam o ambiente...
O amor que tu me tinhas, hoje é morto, se acabou.
Casa assobradada, janelas e portas trancadas,
um velho balanço, enferrujado, range os dentes.
Nada que eu faça ou tente, resgata o meu passado,
memórias reticentes; foi o pouco que restou.
Velho casarão, abandonado no passado,
rua arborizada que o tempo preservou.
Nas esquinas conversa miúda, sem eira nem beira,
já não somos os mesmos, muito pouco nos restou

QUANDO MORRE UM POETA



NALDO VELHO

Tributo aos poetas Nilton Alves e Marcio Carvalho, falecidos recentemente, e a poeta Marici Bross falecida no dia 24/11/2007

Um vento varreu entranhas,
espalhou pela casa guardados,
palavras, versos, poemas,
imagens estranhas, loucura,
cartas, retratos, recortes,
folhas de papel manuscritas
de um livro não terminado.

Espalhou pétalas de rosa,
é bem verdade, também espinhos,
folhas secas, lembranças de outonos,
e um frasco inteiro de perfume,
espatifado no chão da sala
impregnada pela essência dos sonhos
que um ser poeta sonhou.

O vento que varreu entranhas
quebrou vidraças, espelhos
e um porta-retrato com a sua imagem.
Derrubou prateleiras e livros,
espalhou pelo chão meus CD.s
e minha coleção de pedras e de corujas.

O vento que varreu entranhas,
abriu portas, escancarou janelas,
arrebentou samambaia chorona,
destruiu renda portuguesa,
derrubou gaiola de pássaro...

Canário da terra aproveitou e voou!

Sunday, November 25, 2007

POEMA QUE NÃO PEDIU PRA NASCER



NALDOVELHO

Madrugada nublada
de uma noite mal dormida,
na realidade não dormida,
e a minha poesia, presa entre os dedos.

Aos poucos, ainda meio tonto,
meio troncho, meio qualquer coisa,
tipo barro, quase tijolo,
meio poeta, meio escombros.

O poema a que me obrigo,
tem um quê de áspero, corrosivo.
As lágrimas brotam doídas,
palavras duras, versos em carne viva.

Agora, seis e dezenove!
O sol nasceu e nem pediu licença,
Manhã cinzenta de novembro,
nuvens insolentes pelo ar.

Seis e trinta e cinco!
Um café bem quente e, eu percebo:
as rosas no vaso murcharam.
Ao fundo, Nana Caymmi, lembra você.

Poema que não pediu pra nascer!

Sunday, November 18, 2007

VICIADO EM VOCÊ



NALDOVELHO

Viciado em colher madrugadas,
em veneno de lua cheia e exibida,
em cantigas que questionem a vida,
em beira de mar em noite de maré cheia,
em gotas de orvalho injetadas nas veias.

Viciado em colher poesia,
por ruas, ruelas, becos estranhos,
quartos sombrios, camas vadias,
por colos, perdi a conta de quantos,
só lembro das vezes em que o meu corpo sangrou.

Viciado em colher nostalgia,
em beber da mais pura aguardente,
em chorinhos viscerais e profanos,
em boleros que sejam cubanos,
não canso de dizer que sou assim!

Viciado em dizer que te amo!
e que ainda hoje depois de tantos anos,
ainda escrevo poemas pra você!
Ainda sofro desta maldita insônia,
saudade doída que não me deixa esquecer.