Wednesday, March 28, 2007

ERA UMA VEZ UM QUARTO



NALDOVELHO

Era uma vez um quarto e dentro dele, na cabeceira da cama, uma mesa e em cima da mesa uma jarra e um copo, cheios d’água. E assim felizes, tranqüilos e integrados, como se tivessem sido feitos uns para o outro: a água na jarra e no copo.

Foi num dia qualquer de maio quando alguém desastrado passava, ao esbarrar na mesa os derrubou. O copo e a jarra pelo chão aos cacos, e a água no tapete derramada.

Era uma vez a poeira que pelas frestas da janela, invadiu todo quarto e ao tapete encharcado como uma intrusa se entranhou. A água, antes concubina do copo, agora ao tapete amasiada, à poeira também se integrou. Desse triângulo estranho surgiu um filho bastardo que alguém por pura piedade, de mofo, batizou.

E foi nesse cenário tristonho que a água, antes cristalina, refrescante e faceira, em umidade se transformou. E que junto ao tapete, à poeira, ao mofo, à jarra e ao copo, hoje em cacos, espalhados pelo quarto, foi o que restou!

Era uma vez um quarto: vazio e abandonado, que vez por outra o dono entrava com desconsolo, naquele cenário tristonho de cama ainda desfeita, lençóis sujos pelo chão espalhados, travesseiro empoeirado num canto jogado, um horror!

Certa feita tão descuidado, em dia de chuva, apressado e com os pés sujos de lama, mais tristeza ao quarto levou.

Acho que quase um ano se passou. Foi num dia qualquer de setembro, a porta se abriu e alguém diferente entrou. Olhou para aquele cenário e chorou! Abriu a janela depressa para o sol poder tomar conta, varreu a poeira e os cacos, tirou do tapete o mofo, e nos livrou da lama no quarto. Trocou travesseiros e lençóis, depois se aconchegou em paz no silêncio que agora reinavam, e feliz, realizada, deitou e descansou.

Foi num dia qualquer de novembro, ao certo, já não me lembro! Curioso fui ver como estava o quarto, e dentro dele não mais encontrei a solidão. Encontrei a cama arrumada e na cabeceira da cama uma mesa, e em cima da mesa uma jarra e um copo, e dentro deles, água limpa, fresca e cristalina. Olhei pela janela e vi lá fora perdidos, a lama e a poeira.

Dizem que o mofo, coitado! Pelo sol ferido de morte, não resistiu e morreu.

E os sapatos? Favor deixar na porta, é para manter limpo e saudável o interior.

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