NALDOVELHO
Esta sensação estranha...
Luz do abajur, faz tempo, queimada,
assim, acesa, do nada?!
A janela do quarto
que teimava em permanecer fechada,
hoje, abusadamente, escancarada!
E este perfume?
Acho que estou ficando louco.
Na cozinha, pratos e talheres lavados.
A comida esquecida no forno: sumiu!
Na sala, móveis arrumados,
tudo limpo, cheiro de alecrim.
Flores em cima da mesa?
Absurdo!
Na estante, livros arrumados,
Cds guardados,
cada um em seu lugar.
Uma samambaia chorona
pendurada no canto da sala...
Não consigo entender.
Pássaros atrevidos
cantam em minha janela,
parece primavera,
mas é abril, outono!
Acho que é um sonho,
pois acabo de escutar sua voz...
Mas como?
Rosa, porque você partiu?
O poema ROSA é baseado em fatos reais, acontecidos, já faz algum tempo.
Conheci um casal, quando mais jovem, Seu Juvenal e Dona Rosa. Eram muito felizes. Tinham dois filhos, um deles, hoje, meu compadre, e a história de amor que vivenciaram foi dessas que a gente só vê em novela, construída em cima de muita luta, muito sofrimento e, principalmente, muita coragem, pois tiveram que romper com todos os laços para poderem ficar juntos. Eram amantíssimos, o carinho e a ternura eram constantes, a ponto de transformar a casa onde viviam, num templo de paz e amor onde adorávamos ficar. Um dia, assim, sem mais nem menos, aos 65 anos, Rosa morreu, num desses infartos fulminantes que sem o menor aviso lhe acometeu.
Daquele dia em diante, Seu Juvenal, homem forte e alegre, numa sombra triste e sem vida se transformou. Dava pena de ver! A casa, antes, um brilho, agora largada, móveis empoeirados, o jardim morto e o velho, costumeiramente de muitas palavras, virou uma pessoa soturna e amargurada. Tomar banho, então, muitas vezes nem tomava! Entregou-se em vida, arrasado pela falta que Rosa lhe fazia.
Seus dois filhos, já casados, e seus netos, toda a semana, iam lá, limpavam tudo, até banho o obrigavam a tomar. Meu compadre sempre relutou em colocá-lo num asilo e o velho, já com 70 anos, não admitia a idéia de ter uma empregada, ou mesmo de ir morar com qualquer um dos filhos, e assim dizia: um dia ela virá me buscar.
Todas as manhãs, em direção ao trabalho, quando por lá passava, levava pão fresquinho e um litro de leite. Janelas sempre fechadas e Seu Juvenal, nem café havia tomado. No meio daquela bagunça, ia eu pro fogão, passava um café bem forte, sentávamos na sala, ainda que empoeirada, pra um dedo de prosa que sempre girava em torno do mesmo assunto: Rosa e a saudade que ele sentia.
Numa quarta-feira, estranhei as janelas abertas! Fui entrando na casa como sempre fazia, e confesso: com o coração apertado por conta de uma sensação estranha; parece que eu já sabia. A cena foi dessas de arrepiar: a casa toda arrumada, a mesa posta, café recém coado, pão, manteiga, queijo, rosas sobre a mesa, até um pratinho de biscoitos de nata, tal qual Rosa fazia, e Seu Juvenal sentado em sua cadeira de banho tomado, com um sorriso no rosto, olhos fechados, morto. Era como se Rosa tivesse vindo buscá-lo. Mais que depressa liguei para os filhos... Meu compadre e sua irmã chorando muito diziam: Naldo, neste fim de semana não pudemos ir até aí, nem levar as netas para abraçá-lo.
Até hoje fico pensando: Rosa veio buscá-lo!
Ontem, estava eu aqui no computador, pesquisando no eMule o Mestre Pixinguinha, e achei esta preciosidade, ROSA, com o Paulo Moura. Foi então que nasceu o poema, que a bem da verdade fala de uma história de amor bonita e sem dúvida alguma, espiritualmente muito forte, pois seja onde for que eles estiverem, tenho a certeza de que estarão juntos.