Wednesday, December 12, 2007

PREDADOR DE SI MESMO



NALDOVELHO

Dentro do quarto: curto circuito,
coito interrompido, coisa mal resolvida,
prenúncio de partida, de preferência sem despedidas.
Quem foi que disse que era para ser eterno?
O poeta? O poeta é um louco!
Abre a janela, derrama sonhos,
inquieto se entrega ao abandono,
escreve um monte de bobagens e morre.
Morre ausente de si mesmo,
morre de amor e vida,
sufocado por dor de partida,
bêbado de desenganos,
soterrado em seus escombros.
Lá fora, o tempo finge que vai embora,
anuncia ser mero observador,
ri da pretensão do poeta,
mostra que a eternidade não existe,
e diz que aquele que insiste
vira o seu próprio predador.
Dentro do quarto: poemas,
inventário dos meus estragos,
alguns perecem inacabados;
outros: pretensas tentativas
de me eternizar nas palavras...
O poeta?
O poeta é um tolo!
Prenúncio de despedida,
predador de si mesmo,
derramado em seus sonhos
pelos becos sem saída,
esquinas que ele não dobrou,
poesia que ele não ousou.

Tuesday, December 11, 2007

TOADAS DE ABANDONO



NALDOVELHO

Violão instigante, acordes dissonantes,
melodias profanas, toadas de abandono.

Paisagens saudosas de Minas,
dormentes de trilhos que trago,
cravados dentro do peito.
Dedo e meio de prosa,
café fresquinho no bule,
angu de corte e a certeza,
porteira aberta pro mundo!

Lembranças lá das funduras,
de um tempo que não volta mais.

Raízes que trago, não nego!
Cachaça madura de engenho,
Seu Nicolau nos chama:
quero moda de viola, meu neto!

Se não lembro da letra eu invento...
Leopoldina, Chácara do Desengano.

Rimas! Pra que as quero?
E é um tal de jogar conversa fora,
lugar algum é o bastante,
pressa nenhuma pra chegar.

Virei vento frio de outono,
cantiga antiga de partida,
águas tranqüilas, riacho,
sementes que espalho, poemas...
Quando acordar deste sonho,
já vou estar em outro lugar.

Sunday, December 02, 2007

CORTE EM CARNE VIVA



NALDOVELHO

Arde!
É corte em carne viva,
sangra toda vez que eu toco
e eu nem sei como evitar.
É dia,
é luz que alucina
e invade o meu quarto,
intrusa em meus sonhos,
veneno que vicia,
tempestade e calmaria.
Já não sei mais navegar.

INCOERÊNCIAS



NALDOVELHO

Tem dias que eu penso tempestade,
e ainda que em copo d’água,
inundo toda a casa,
e semeio muita confusão.
Tem dias que eu transpiro calmaria,
silêncio e recolhimento,
inquietudes e desentranhamentos.
Tem dias que eu me revelo em fantasias,
escrevo muitos poemas,
invento imagens estranhas,
tipo alucinação!
Tem dias que eu tropeço em realidades
coisas amargas, doídas,
retratos desta nossa civilização.
Tem dias que eu acordo pensando que sim,
entardeço achando que eu não mereço,
anoiteço certo de que tudo tem o seu preço
e adormeço pleno de desilusão.

CONVERSA DE POETA



NALDOVELHO

Conversa de poeta
pelas ruas da cidade,
esquinas de saudades,
pelos becos, pelos bares.
Madrugada corre solta
e a lua enamorada
vez por outra ainda apronta.
Traz janela entreaberta,
traz o colo da morena
e a poesia se completa
no aconchego dos meus sonhos.
Amanhece na cidade,
no café do bar da esquina
e no perfume da menina
que me deu tanto prazer.
Conversa de poeta,
brota em versos, não se aquieta,
pelas ruas, pelos becos,
pelas praças, pelos bares,
tantos outros, quantos bardos!
Poesia é coisa certa!

CIDADE DESERTA



NALDOVELHO

Dedilhar num piano,
nota por nota,
construir um acorde,
uma harmonia indecente
num piano envolvente.
Janelas abertas,
cidade deserta...
Quem sabe um tango?
Quem sabe um bolero?
Mas que seja um cubano!
Saudar os meus planos
e meus muitos enganos.
Já faz tanto tempo,
na cidade dos sonhos,
uma dúvida incomoda,
um quê de quero, não quero,
acender um cigarro,
uma Wodka do lado,
um frio danado,
inventaram o inverno,
só pra doer mais
a saudade que eu tenho,
saudade de você.

CAMINHOS CONTRÁRIOS



NALDOVELHO

Caminho contrário à força dos ventos,
poema do avesso, perdi meu apreço,
ainda tenho as malas, só não sei o endereço
e os meus olhos não vêem as margens da estrada,
mas percebo ao longe o barulho das águas,
o cheiro das matas, da terra molhada,
e sinto na carne o chicote do tempo
que vibra inclemente e traz dor de presente.
Caminho escorregadio, perigoso, estranho,
e tem um abismo, lado esquerdo da estrada,
ainda que eu não o veja, sei que está lá.
Escolhas que eu fiz e, ainda hoje, as faço,
por íngremes picadas, acessos que eu tento,
sempre ao relento, madrugadas molhadas.
Solidão e tristeza numa longa jornada,
dormir ao relento, comer quase nada,
nenhuma estalagem que sirva aguardente,
nenhum colo quente de beira de estrada,
só o silêncio de outras jornadas,
viajantes que trilham caminhos complexos,
ainda assim, diferentes, contrários ao meu.

CICATRIZES



NALDOVELHO


Portas fechadas, ruas desertas,
nenhuma conversa, janela entreaberta,
silêncio inquietante em quarto minguante,
e o meu telefone se toca, é engano.
Cidade vazia, distante e perversa,
sobrou o perfume e um livro estranho,
cidade dos anjos, caídos, sem sonhos,
de asas cortadas não ousam voar.
Sobrou um poema de versos profanos
e na madrugada vazia de planos,
um bolero arrastado, um blues e um tango
avisam que o dia ainda custa a chegar.
E mais uma dose de pura aguardente,
a sede que eu tenho já faz tantos anos,
cicatrizes que eu trago, a maioria latentes,
algumas ardidas ainda sangram se toco,
outras antigas exibidas nos olhos,
vez por outra ainda choram se insisto em lembrar.

BOCA



NALDOVELHO

Boca oca...
Recusa-se ao beijo,
mastiga o desejo,
tropeça na língua,
saliva palavras,
engole lágrimas.
Saciada a sede
adormece e cala.

BELAS PALAVRAS CONSTROEM UM POEMA



NALDOVELHO

É preciso abrir a cortina, quero luz em seu rosto.
Belas palavras descrevem o seu corpo,
muitas palavras escondem meus medos,
pois são seus os meus segredos, meu cheiro, meus gostos.
É preciso abrir a janela do quarto.
Quero a brisa suave que embriaga a tarde,
quero cheiro de terra, de chuva, de flores.
Belas palavras constroem um poema,
muitas palavras definem o que eu sinto,
coisas sagradas preciosamente guardadas.
Eu preciso ofertar-lhe um cálice de vinho,
tipo suave, licoroso e branco.
Muitas palavras, ditas, sussurradas,
promessas veladas, quanta esperança!
É preciso que haja silêncio no quarto.
Quem sabe uma música melhore o ambiente
e faça você dormir aconchegada em meus braços?
Quem sabe você não precise partir?

ATÉ BREVE



NALDOVELHO

Palavras perversas, inquietas, repletas,
de muita ousadia, rebeladas e incertas,
contrárias aos versos oprimem o poema,
quedam-se em silêncio ao rejeitar a dor
que a nostalgia que eu tenho é capaz de ofertar.
Negam a saudade e transformam o poeta
num viajante em busca de outras paisagens,
estiagem que a vida nos traz.
Palavras perversas, indiferentes, vazias,
abortam a poesia, sufocam a emoção
que lágrimas discretas teimam em mostrar.
E no rosto, um sorriso amargo e impreciso,
acossa e o que resta jaz em silêncio.
Securas que a vida nos traz...
Melhor então fechar as cortinas
e um aviso na porta: o poeta resolveu viajar.
Não se sabe bem pra onde e nem quando vai voltar.
Melhor então dizer até breve!
Navegar sozinho, é preciso,
até reencontrar um norte
e restabelecer em mim o juízo.
Desencontros que a vida impõe...

AMANHEÇO



NALDOVELHO


Amanheço, um café bem quentinho,
uma ducha gelada, espantar a preguiça
de uma noite bem dormida.
Sonhei com uma praia deserta,
bom que a vida se fez sem pressa.
Têm dias que eu gosto de estar sozinho,
sem ter alguém pelo caminho,
sem ter alguém do meu lado,
a cobrar que o amor seja pleno,
a injetar-me algum tipo de veneno.
Que bom que o dia está nublado
e o mar batendo agitado.
Parece que a chuva se apressa,
um vento frio e gelado
a mostrar que está tudo acabado
e que ainda assim, valeu a pena!
Sem lágrimas, sem aperto no peito.
Não preciso mais chorar em versos.
Melhor então abrir as cortinas,
é bom ver gotas de chuva,
sentir o cheiro de terra,
sem ter que me preocupar com você!

ANJO CAÍDO



NALDOVELHO

Um ser invade a noite
em busca de uma saudade,
em busca de uma estalagem
onde possa se abrigar.
Resgatar seu destino,
refazer seu caminho,
desentranhar do passado
tantas coisas, pecados,
escolhas, caminhos errados,
exorcizar sua dor.
Certamente, um ser da noite,
um anjo caído, sofrido,
por tantos anos banido
e que por um amor não consumado,
voou por trilhas estranhas
e hoje não sabe mais voar.
Tenta curar suas chagas,
redescobrir a emoção
e no silêncio do seu quarto
encontrar a compreensão.
Quem sabe lhe devolvam as asas
e lhe ensinem sobre o perdão?
Quem sabe curado da dor
possa então de novo voar?

ALVARÁ DE SOLTURA



NALDOVELHO

Transborda, inunda, afoga,
incomoda e queima as entranhas,
ardência estranha...
Paixão que arranha a estrutura,
que tira do prumo e leva à loucura.
O chão estremece, palidez e tontura,
delírios insanos, delícia e tortura.
Melhor buscar logo um alvará de soltura,
Quem sabe os meus versos possam advogar?
Quem sabe um poema possa me libertar?
Ter de volta as pernas, poder caminhar.
Desfeitas as teias, poder respirar.

Wednesday, November 28, 2007

O POUCO QUE NOS RESTOU



NALDOVELHO

Pétalas pálidas, descoradas, descontentes,
folhas desnutridas, desmaiadas, sem vida.
Espinhos ressecados, ainda ferem o inocente.
Um jardim tão mal cuidado,
o jardineiro se fez ausente;
ervas daninhas dominam o ambiente...
O amor que tu me tinhas, hoje é morto, se acabou.
Casa assobradada, janelas e portas trancadas,
um velho balanço, enferrujado, range os dentes.
Nada que eu faça ou tente, resgata o meu passado,
memórias reticentes; foi o pouco que restou.
Velho casarão, abandonado no passado,
rua arborizada que o tempo preservou.
Nas esquinas conversa miúda, sem eira nem beira,
já não somos os mesmos, muito pouco nos restou

QUANDO MORRE UM POETA



NALDO VELHO

Tributo aos poetas Nilton Alves e Marcio Carvalho, falecidos recentemente, e a poeta Marici Bross falecida no dia 24/11/2007

Um vento varreu entranhas,
espalhou pela casa guardados,
palavras, versos, poemas,
imagens estranhas, loucura,
cartas, retratos, recortes,
folhas de papel manuscritas
de um livro não terminado.

Espalhou pétalas de rosa,
é bem verdade, também espinhos,
folhas secas, lembranças de outonos,
e um frasco inteiro de perfume,
espatifado no chão da sala
impregnada pela essência dos sonhos
que um ser poeta sonhou.

O vento que varreu entranhas
quebrou vidraças, espelhos
e um porta-retrato com a sua imagem.
Derrubou prateleiras e livros,
espalhou pelo chão meus CD.s
e minha coleção de pedras e de corujas.

O vento que varreu entranhas,
abriu portas, escancarou janelas,
arrebentou samambaia chorona,
destruiu renda portuguesa,
derrubou gaiola de pássaro...

Canário da terra aproveitou e voou!

Sunday, November 25, 2007

POEMA QUE NÃO PEDIU PRA NASCER



NALDOVELHO

Madrugada nublada
de uma noite mal dormida,
na realidade não dormida,
e a minha poesia, presa entre os dedos.

Aos poucos, ainda meio tonto,
meio troncho, meio qualquer coisa,
tipo barro, quase tijolo,
meio poeta, meio escombros.

O poema a que me obrigo,
tem um quê de áspero, corrosivo.
As lágrimas brotam doídas,
palavras duras, versos em carne viva.

Agora, seis e dezenove!
O sol nasceu e nem pediu licença,
Manhã cinzenta de novembro,
nuvens insolentes pelo ar.

Seis e trinta e cinco!
Um café bem quente e, eu percebo:
as rosas no vaso murcharam.
Ao fundo, Nana Caymmi, lembra você.

Poema que não pediu pra nascer!

Sunday, November 18, 2007

VICIADO EM VOCÊ



NALDOVELHO

Viciado em colher madrugadas,
em veneno de lua cheia e exibida,
em cantigas que questionem a vida,
em beira de mar em noite de maré cheia,
em gotas de orvalho injetadas nas veias.

Viciado em colher poesia,
por ruas, ruelas, becos estranhos,
quartos sombrios, camas vadias,
por colos, perdi a conta de quantos,
só lembro das vezes em que o meu corpo sangrou.

Viciado em colher nostalgia,
em beber da mais pura aguardente,
em chorinhos viscerais e profanos,
em boleros que sejam cubanos,
não canso de dizer que sou assim!

Viciado em dizer que te amo!
e que ainda hoje depois de tantos anos,
ainda escrevo poemas pra você!
Ainda sofro desta maldita insônia,
saudade doída que não me deixa esquecer.

Monday, October 29, 2007

AOS ELEITOS



NALDOVELHO

O Homem não quer provas
e ainda que elas existam, ele as negará!
Ao homem só importa o poder que o consome,
a mentira que ele nega,
a riqueza que ele esconde,
adquirida nem sei onde,
ao custo da dor e da fome
daqueles que se permitem escravizar.

O Homem não quer Deus,
pelo menos não aquEle que o criou,
e que elegeu a vida como sagrada
ao dizer que o próximo deve ser amado,
sem mencionar raça, credo, língua,
ou ainda qualquer diferença que possa se notar.
E por isto o Homem recriou o divino
de acordo com suas verdades, suas vontades.

O Homem não deseja o amanhã,
pois se dispõe a destruir os Eleitos,
ainda que seja destruído também.
E para isto se alimenta do ódio,
e da dor de um mundo que agoniza
e assim cego pela intolerância,
refém de sua loucura, agoniza também!

E assim o Pai vem separando o joio do trigo,
reconstruindo os caminhos sagrados
onde a verdade foi semeada, faz tempo...
Quem colheu e provou da semente,
sabe quem são os eleitos que eu digo,
pois construirão a nova crença no Eterno,
e dois serão os únicos mandamentos
a nos ensinar sobre o amor e a compreensão!

Thursday, October 25, 2007

ACEITANDO SUA OFERTA



NALDOVELHO

Que seja!
Pois não se trata do que é fácil,
nem tão pouco de desfazer o mal feito,
difícil de ser desfeito.
Como também não vale tentar refazer
o que por desamor foi destruído,
já que o que eu tanto preciso,
é de que alguém saiba curar as feridas
adquiridas nos desencontros e desencantos,
próprio de quem muito amou,
mas não conseguiu se encontrar.

Se você sabe de feitiços, mantras,
ou de desfazer quebrantos;
saiba também que são dos seus cuidados,
o que na realidade eu mais careço,
pois a pele ainda é fina, fácil de sangrar.

Quem sabe com duas ou três pitadas de ternura,
uma dose reforçada de carinho,
tudo isto bem macerado
numa xícara e meia de compreensão?

Quem sabe se a beleza que habita a alma
e que no refrigério do amor acalma,
possa ressurgir bem lá do fundo
e assim se mostrar como uma nova possibilidade
ou história que possa me fazer não mais amargo
e eu possa amar outra vez.

Wednesday, October 24, 2007

ÀS VEZES PENSO



NALDOVELHO
Às vezes penso em ti como um beija-flor
e aí te percebo leoa de presas dispostas
a devorar-me em postas, pois só eu sei
como tu gostas de se servir de mim.
Às vezes penso em ti como uma princesa
e aí te percebo tal qual camponesa
a alimentar os colonos, pois eu sei que
tu gostas de ser servida assim.
Às vezes penso em ti como um sonho,
e aí te percebo delírio, armadilha,
linha embaraçada, perigo, pois sei que
no fundo gostas de ser vista assim.
Às vezes penso em mim como um tolo
que vive de alinhavar versos,
ritos confessos, indecentemente insanos,
pelo desejo de te ter em minha cama,
por uma noite que seja, e ao acordar,
não mais te encontrar ao meu lado,
pois só eu sei como gostas de se servir assim.

Friday, October 12, 2007

EU NÃO CONSIGO AMANHECER



NALDOVELHO

Trago em meus guardados
o gosto amargo das noites mal dormidas
inquietude que eu tenho, faz tempo,
ansiedade que arranha por dentro
e eu nem sei explicar o porquê!
Trago a fome compulsiva dos loucos,
e não há nada que possa matar minha sede,
teimosia de um tolo que vive
a percorrer caminhos estranhos,
trilhas estreitas, nubladas,
e ainda que se faça a luz,
por cegueira, eu não consigo Te ver.
Trago um coração angustiado,
ainda ontem, sufocado,
pela fumaça de nem sei quantos cigarros,
vez por outra, quando respiro engasgo,
coisas que eu tenho que reaprender.
Trago palavras molhadas, confessas,
às vezes choradas, confusas, ardidas,
às vezes suadas, salgadas, cansadas,
em outras, ejaculadas, de qualquer jeito, na pressa
de deixar marcas, registros, um grito!
E quase sempre com cheiro de sangue,
feridas expostas, destroços, poemas,
por mais que o sol nasça todos os dias,
aqui dentro eu não consigo amanhecer.

Friday, September 21, 2007

QUANTAS ARANHAS A TECER NOSSAS TEIAS



NALDOVELHO

Pessoas envoltas em teias, em dramas,
esquecem o caminho, se atritam nas tramas,
e choram, reclamam, escondem seus rostos,
e vão, nem sei onde, curar os seus ais.

Quanto veneno injetado em meu corpo,
o sangue anoitece e se arrasta no esgoto,
e o rio acontece, corredeiras no mangue...
Caminhos fechados, nem sei onde vou.

Volto pra teia e grito o Teu nome!
Canto um mantra, quem sabe amanheço?
Quem sabe acordo, primavera, setembro,
janelas abertas e virei beija-flor?

Wednesday, September 19, 2007

VISITAS



NALDOVELHO

O teu cheiro nas madrugadas,
pousa suavemente em minhas narinas.
Manhãs iluminadas de sonhos,
de lua aconchegada em meus braços,
de travesseiro molhado entre as pernas...
Qualquer dia desses, nem vou querer acordar.

Wednesday, August 22, 2007

O POUCO QUE EU SEI


NALDOVELHO

Sei dos caminhos que nos levam à loucura
e das trilhas, abismos, armadilhas.
Sei do sangue coagulado sobre a ferida
e da dor na cicatriz quando mexida.
Sei do inverno no silêncio do meu quarto,
e das lágrimas, quase sempre não disfarço!
Sei das ruas, vielas, esquinas desertas,
insônia insistente, madrugadas incertas.
Sei do amigo que se recusa ao abraço,
chuva ácida poluindo o riacho.
Sei dos esboços, dos rascunhos, dos sonhos,
projetos engavetados, lado esquerdo, tristonhos.
Sei do livro de contos inacabado,
faz tempo não pego, tenho medo do estrago!
Sei que o tempo tece teias estranhas,
corpo cansado, sou presa indefesa da aranha!
Sei que amanhã vou acordar setembro,
se me lembro: primavera, flores, temperatura amena!
Sei que no final deste caminho, existe um outro.
Sei da pedra, do limo, das raízes e da solidão.

Wednesday, August 01, 2007

QUANDO O RIO DERRAMA



NALDO

Há dias em que o rio derrama
e inunda todo o quarto.
Meu corpo encharcado
busca os teus braços,
e reclama!
Diz que a solidão é coisa ardida,
abre na carne profundas feridas...
Sente saudades!
De um tempo de águas tranqüilas,
quando a vida era apenas um riacho.

O QUE EU DEFENDO



NALDOVELHO

Defendo mãos dadas ao nascer do dia,
abraço apertado por conta de chegadas,
brisa quente e macia ao cair da tarde,
sorriso de criança acariciando o coração.

Noites tranqüilas, cantigas que sobrevivam,
amores aconchegados, amantes descarados,
com muito beijo na boca e de preferência sem roupa!
Lua cheia e abusada a instigar o poeta
e versos sem rima a desentranhar emoções.

Defendo mesa farta, ternura nos olhos
e o carinho do amigo promovido a irmão.
Janelas escancaradas, estradas tranqüilas,
respeito às fronteiras: com sua licença Abdul,
seja bem vindo Jacob, dá cá um abraço meu irmão!
Um copo de vinho e um pedaço de pão.

Defendo a verdade na palavra empenhada,
a compreensão como moeda de troca,
a caridade como solução derradeira:
uma vara, o anzol, e a isca,
e na beira do rio te ensinei a pescar.

Defendo a família consagrada e unida,
a palavra de Deus se bem compreendida,
o branco, o negro, o amarelo, o mestiço,
sêmen, suor, sangue novo e sagrado,
o mistério da Sua Carne reside no amor.

Defendo a palavra e seus significados,
e as diferentes escolhas, ainda que equivocadas,
os erros assumidos, a chance de repará-los,
o aprendizado, por certo, na multiplicidade de vidas,
Muitas são as moradas, e a Misericórdia é um fato,
pois somos todos os filhos da Sua imensa Luz.

Monday, July 30, 2007

PALAVRAS QUE AGONIZAM



NALDOVELHO

Palavras que agonizam
sobre uma folha de papel amassada.
A palavra FUTURO mal respira.
A palavra PERDA se arrasta
e em desespero busca a palavra SAUDADE
que abraçada à palavra NOSTALGIA
numa dobra escura do amasso,
derrama a dor pelo que já não sente.
A palavra LÁGRIMA perdeu significados,
estiagem premeditada do tempo
que transformou em pedra a mão do poeta.
A palavra ES-PE-RAN-ÇA, triturada,
e sua seiva a criar corredeiras,
trilhas aleatórias que vão dar em lugar algum.
A palavra NATUREZA, sufocada pela fumaça,
sangra acinzentado e gosmento,
já não consegue fazer brotar o verso
e exala seu odor de morte.
A palavra AMOR, pelo desuso,
ou pelo mau uso, pulverizada!
Poeira espalhada, perdeu força,
já não consegue mais nada.

Em cima da mesa,
ao lado da folha de papel amassada,
um livro aberto, ri debochado.
Nele, palavras, outras, festejam a matança.
As palavras: GUERRA, ÓDIO, RANCOR e VIOLÊNCIA
riem debochadamente.
A palavra PROGRESSO se vê como definitiva,
acha que é um sucesso,
e não há como voltar atrás.
A palavra PODER, quer fazer crer quê:
assim o é, humildemente!
O título do livro?
O HOMEM
Ah a palavra HOMEM!
Não conheço nenhuma outra
de significados tão incoerentes.

Sunday, July 08, 2007

MANDANDO NOTÍCIAS



NALDOVELHO

Por aqui: vento frio, chuva insistente,
dias de inverno, meados de julho,
escassos os versos que teimam encravados
e uma vontade imensa de te ver.
A lágrima persiste no canto do olho,
para ser mais exato, o esquerdo,
acho que por saudade, que por teimosia, só faz crescer.
Por conta disso: aperto no peito, coração afrontado,
olhar meio nublado e nem faz muito tempo
eu prometi a mim mesmo que iria te esquecer.

O maldito do cigarro continua entre os dedos,
exorciza meus medos, traz paz aparente,
mantém coisas latentes, chegadas e partidas, dor de não poder.

Os dias que passam são sempre nublados,
ainda que o sol de as caras e tente secar o molhado,
lá dentro eu temo que continue a chover.

Querias notícias? São as mesmas de antes.
Não importa que doa e que digam o contrário,
ainda estás nos guardados e nada que eu tente consegue
mudar meu bem querer.

Friday, June 29, 2007

MULHER ENLUARADA



NALDOVELHO


Procura-se uma mulher sardenta,

mais ou menos um metro e sessenta,

cabelos claros, desgrenhados,

olhos verdes e abusados.

mais sedutora que aparenta,

lábios grossos e encharcados,

doce veneno que atormenta.


Procura-se uma mulher derradeira,

com garras afiadas, guerreira,

acostumada a tecer feitiços

e não há como acabar com isto!

Diz que é a musa dos meus sonhos

e dos meus versos mais tristonhos.


Procura-se uma mulher enluarada,

pele branca e orvalhada,

envolta em fios de ternura,

desses que levam qualquer homem a loucura.

Quem souber não se arrisque, tenha juízo!

Seu ataque é rápido e preciso...

Nem queiram saber do que ela é capaz!


Thursday, June 21, 2007

ESTRANHO LABIRINTO



NALDOVELHO

Vocês percebem o que eu digo?
Vou tentar ser mais claro!

Fios entrelaçados, tecidos,
alguns deles amarrotados,
outros, guardados, amarelecidos...
Há aqueles, pelo uso, puídos,
se tentarem consertar; cerzidos.
Tramas, dramas, coisas do nosso umbigo!

Ainda não fui claro?
Vou tentar de novo!
Caminhos, trilhas, atalhos,
lugares ermos, distantes,
ruas que parecem desertas,
esquinas, escolhas incertas,
becos sem saída, enganos!
Começar tudo outra vez.

Janelas, têm dias, fechadas,
em outros, escancaradas;
chaves, nem sei de quê portas,
mas não importa sabê-las,
pois sempre serei um estranho,
que quando tenta entrar na conversa
alguém logo pergunta:
o que você quer de nós?

Fios entrelaçados, destinos,
escolhas equivocadas, atalhos,
ruas de uma cidade deserta.
Ando por aqui já faz um tempo,
vivo tentando escrever poemas,
que digam ao coração das pessoas
sobre o labirinto em que vivemos, estranhos...
Melhor ter a mão um novelo de lã,
marcar caminhos trilhados,
não repetir os enganos,
para que possamos sair daqui.

Algo do que lhes disse é familiar?
Não?
Estranho...
Muito estranho!

VEM




NALDOVELHO E JOANA PONS

Vem!
Vem dormir e sonhar os sonhos meus,
acordar em brancos lençóis,
amanhecer poema de amor
e em meus braços apaziguar sua dor.

Vem!
Faz do meu corpo a sua morada,
dos meus desejos o alimento preciso
e dos meus olhos o refrigério da alma,
pois serei sua amada, infinitamente sua!

Vem!
E traz o carinho das mãos delicadas
a explorar caminhos, dobras, passagens,
partes sedentas e ainda assim molhadas,
e deixa em minha pele suas marcas tatuadas.

Vem!
E faz meu coração bater acelerado,
traz também o seu cheiro e o seu olhar abusado,
a saborear o amor que dedico pleno,
e faz de mim, algo que seja só seu.

POEMA DE AMOR NÃO ESCRITO



NALDOVELHO

Linhas traçadas
coexistências embaraçadas,
palavras entrelaçadas,
quarta gaveta, lado esquerdo do peito.
Poema de amor proscrito
entre o poeta e a meretriz.
Um bolero arrastado,
a compor tristemente o cenário,
uma garrafa de vinho tinto,
outra de Martine Bianco,
ambas, pra baixo da metade.
Marcas de batom no corpo,
na camisa e no copo.
Cinco horas da manhã!
O garçom sinaliza nervoso,
já é madrugada, faz frio lá fora,
peço a conta e percebo em teus olhos
um até breve, até quando?
Agora, já passam das seis!
Manhã nublada de maio,
um gole de café requentado,
não dá pra esquecer o cigarro,
nem o poema de amor proscrito,
banido antes mesmo
de ter sido escrito.
Melhor ir pra casa e dormir.

Friday, June 01, 2007

ESTIAGEM ESTRANHA DA ALMA



NALDOVELHO

Há dias em que a poesia,
como água, escorre entre os dedos
e em silêncio recusa os enredos,
gasturas que a vida nos traz.

Dias de calmaria,
nascidos na indiferença dos tolos,
alimentados pela inutilidade das horas,
plenos de nem sei bem o porquê?

Há dias em que o coração
desgastado pela dança do tempo,
sussurra frases vazias
e já nem quer saber até quando.

Dias de recolhimento e clausura,
por achar que depois daquela porta
as pessoas anestesiadas não percebem
a dor que lhes fustiga a alma.

Há dias que acontecem nublados,
ausência de chuva ou de vento,
onde até o sol vai-se embora
antes do entardecer.

Dias e noites vazias
e o coração do poeta nem se importa,
já não quer saber até quando,
ou se amanhã o sol vai nascer.

Há dias... melhor esquecê-los!
Dias que, na verdade, não contam!
Estiagem estranha de um louco
que de repente recusa o sonho.

Há dias em que a poesia,
como água, inunda o poeta,
que mesmo contra sua vontade,
sobrevive... só não sei até quando,
só não sei bem o porquê!

Friday, May 25, 2007

GOSTO DE GOSTAR DESTAS COISAS



NALDOVELHO

Gosto de dias de chuva,
de preferência os de outono,
cheiro de terra molhada,
vento frio varrendo a cidade,
final de maio e eu suponho,
que continue a chover amanhã.

Gosto de café com conhaque,
cigarrilhas que sejam cubanas,
violoncelo, violino e piano,
música visceral e profana,
bons livros de cabeceira:
Cecília, Drumond e Bandeira.

Gosto de madrugadas desertas
e de saber que embora me doa,
sensibilidade deixou de presente,
coisas preciosas, sagradas,
lembranças, segredos, guardados,
pensamentos, palavras, poemas.

Gosto de gostar destas coisas,
por certo na solidão do meu quarto,
medida exata de nostalgia,
necessária dose de saudade,
janelas e portas sempre abertas
muita poesia no ar.

Saturday, May 19, 2007

MANIA DE POETA



NALDOVELHO

Vontade de esculpir versos,
aparar arestas, excessos,
cortar palavras, algumas,
polir outras, em suma:
dar brilho aos significados.

Mania de poeta
que teima em dissolver lágrimas,
faz tempo, cristalizadas,
ao revelar segredos, guardados,
ao desfazer em nós os nós.

Mania de curandeiro
que cisma em cicatrizar feridas,
que cura entorses, contraturas, gasturas,
gastrite, artrite, colite,
e se duvidar, espinhela caída.

Aperto no peito, então?
Logo-logo, respiração aliviada,
pois toda a aflição e tortura,
vira tema de poema,
no papel, exorcizadas.

Mania de feiticeiro,
mestre em desmanchar teias,
tramas, dramas, coisa feita e ardida
paixões mal resolvidas,
armadilhas da solidão.

Vontade de esculpir versos,
de deixar janelas abertas,
terapeutas da alma que implora,
por caminhos,clareiras, enredos,
que tragam paz ao coração.

Sunday, May 13, 2007

AO AMOR QUE EU NÃO VIVI



NALDOVELHO

Acordar sonolento,
tua perna sobre a minha
e uma tênue luz invasora
a revelar-nos despertos.
Luz do sol, enxerida,
a bisbilhotar nossas vidas.
Manhã cedo de domingo,
preguiçosos confessos.

Queria que a semana
fosse repleta de domingos,
que não houvesse segundas-feiras.
É bom que aqui estejas, por inteira,
aninhada e tão perto.
Já são quase dez horas
e ontem à noite, eu confesso:
fiquei rindo a toa,
já faz tanto tempo.

Melhor fazer um café,
o mês é frio de outono,
já não existe abandono,
já não existem esperas
e embora passados muitos anos,
teu cheiro ainda impera.

Lembra daquele poema
e da eternidade que ele revela?
Pois é! Ainda escuto a mesma música,
Michel Legrand ao piano
e Barbara Streisand ainda questiona:
What are you doing the rest of your life?
Melhor permanecer em meus sonhos.

Thursday, May 10, 2007

PARTIDAS E CHEGADAS



NALDOVELHO

Tenho olhos de perceber
que entre os versos que afloram,
existe dor de partida
que se fez sem despedida.
Quem ontem estava tão perto,
nunca mais se viu por aqui

Tenho olhos de perceber
que apesar do sorriso nos olhos,
existe a lágrima escondida,
chorada pra dentro, doída,
por aqueles que não viveram o sonho
de semear o trigo, colher o pão,
abraçar o amigo e fazer do inimigo um irmão.

Tenho olhos de perceber
que além do ódio dos loucos
a derramar o sangue de muitos,
dói o silêncio dos tolos
e a palavra desencontrada
daqueles que pensam que enxergam,
mas nada conseguem ver.

Tenho olhos de perceber
que entre partidas e chegadas,
reside a verdade dos sábios
materializada na voz dos poetas,
há quem diga que sejam profetas,
anunciando um novo amanhecer.

Wednesday, May 02, 2007

ESTRANHO

NALDOVELHO

Ando por estas ruas como se fosse um estranho.
Tropeço em meio-fios, esbarro em árvores,
confundo esquinas, escorrego e caio
e sem saída num beco escuro, penso:
melhor voltar, recomeçar.

Às vezes converso com as sombras,
pois mal consigo perceber o rosto das pessoas
e assusto-me com o silêncio dos que passam
e não percebem num poema, um detalhe, que seja!

Já não colho flores nos jardins desta cidade,
e os parques desconhecem o riso puro das crianças.
No céu, carregado de nuvens, prenúncio de chuva,
vento frio, muita umidade, pouca visibilidade.

Ando sozinho por estas ruas, já faz tempo.
Busco um sorriso, um olhar, quem sabe?
Uma lágrima de saudade, um abraço de chegada,
uma palavra, um verso, quase nada!

Ao longe percebo pássaros em revoada,
sinal de vida no horizonte, ainda que distante.
Nos templos, portas impedem a minha entrada
e aqueles que se importam, nada podem, aprisionados.

E mais um tropeço, outro beco sem saída.
Já não escrevo mais poemas, desencravo-os,
como se fossem espinhos, ou cacos,
espetados por todo o corpo.

Olhos para os lados e pouco vejo.
Dia nublado, prenúncio de chuva,
tarde cinzenta de outono,
vento frio, pouca visibilidade.

Tuesday, May 01, 2007

ROSA



NALDOVELHO

Esta sensação estranha...
Luz do abajur, faz tempo, queimada,
assim, acesa, do nada?!
A janela do quarto
que teimava em permanecer fechada,
hoje, abusadamente, escancarada!
E este perfume?
Acho que estou ficando louco.

Na cozinha, pratos e talheres lavados.
A comida esquecida no forno: sumiu!
Na sala, móveis arrumados,
tudo limpo, cheiro de alecrim.
Flores em cima da mesa?
Absurdo!

Na estante, livros arrumados,
Cds guardados,
cada um em seu lugar.
Uma samambaia chorona
pendurada no canto da sala...
Não consigo entender.

Pássaros atrevidos
cantam em minha janela,
parece primavera,
mas é abril, outono!

Acho que é um sonho,
pois acabo de escutar sua voz...
Mas como?

Rosa, porque você partiu?


O poema ROSA é baseado em fatos reais, acontecidos, já faz algum tempo.

Conheci um casal, quando mais jovem, Seu Juvenal e Dona Rosa. Eram muito felizes. Tinham dois filhos, um deles, hoje, meu compadre, e a história de amor que vivenciaram foi dessas que a gente só vê em novela, construída em cima de muita luta, muito sofrimento e, principalmente, muita coragem, pois tiveram que romper com todos os laços para poderem ficar juntos. Eram amantíssimos, o carinho e a ternura eram constantes, a ponto de transformar a casa onde viviam, num templo de paz e amor onde adorávamos ficar. Um dia, assim, sem mais nem menos, aos 65 anos, Rosa morreu, num desses infartos fulminantes que sem o menor aviso lhe acometeu.

Daquele dia em diante, Seu Juvenal, homem forte e alegre, numa sombra triste e sem vida se transformou. Dava pena de ver! A casa, antes, um brilho, agora largada, móveis empoeirados, o jardim morto e o velho, costumeiramente de muitas palavras, virou uma pessoa soturna e amargurada. Tomar banho, então, muitas vezes nem tomava! Entregou-se em vida, arrasado pela falta que Rosa lhe fazia.

Seus dois filhos, já casados, e seus netos, toda a semana, iam lá, limpavam tudo, até banho o obrigavam a tomar. Meu compadre sempre relutou em colocá-lo num asilo e o velho, já com 70 anos, não admitia a idéia de ter uma empregada, ou mesmo de ir morar com qualquer um dos filhos, e assim dizia: um dia ela virá me buscar.

Todas as manhãs, em direção ao trabalho, quando por lá passava, levava pão fresquinho e um litro de leite. Janelas sempre fechadas e Seu Juvenal, nem café havia tomado. No meio daquela bagunça, ia eu pro fogão, passava um café bem forte, sentávamos na sala, ainda que empoeirada, pra um dedo de prosa que sempre girava em torno do mesmo assunto: Rosa e a saudade que ele sentia.

Numa quarta-feira, estranhei as janelas abertas! Fui entrando na casa como sempre fazia, e confesso: com o coração apertado por conta de uma sensação estranha; parece que eu já sabia. A cena foi dessas de arrepiar: a casa toda arrumada, a mesa posta, café recém coado, pão, manteiga, queijo, rosas sobre a mesa, até um pratinho de biscoitos de nata, tal qual Rosa fazia, e Seu Juvenal sentado em sua cadeira de banho tomado, com um sorriso no rosto, olhos fechados, morto. Era como se Rosa tivesse vindo buscá-lo. Mais que depressa liguei para os filhos... Meu compadre e sua irmã chorando muito diziam: Naldo, neste fim de semana não pudemos ir até aí, nem levar as netas para abraçá-lo.

Até hoje fico pensando: Rosa veio buscá-lo!

Ontem, estava eu aqui no computador, pesquisando no eMule o Mestre Pixinguinha, e achei esta preciosidade, ROSA, com o Paulo Moura. Foi então que nasceu o poema, que a bem da verdade fala de uma história de amor bonita e sem dúvida alguma, espiritualmente muito forte, pois seja onde for que eles estiverem, tenho a certeza de que estarão juntos.

Sunday, April 15, 2007

POR ONDE ANDARÁ O POETA?



NALDOVELHO

Por onde andará o poeta
quando ele de mim se ausenta?
Quais caminhos ele insanamente percorre?
Com quais enredos atrevidamente se envolve?
Quais sementes ele trará para os versos?
Quantas histórias em sua memória,
quantas vivências assimiladas,
quantas vertentes por ele exploradas?
Por onde andará o poeta
quando ele de mim se ausenta?
Por mais que eu tente não consigo imaginar,
por tão limitada à visão do mortal que questiona,
a ilimitada vontade do imortal que impulsiona,
por onde andará o poeta
quando ele de mim se ausenta?
Será que por abismos trevosos?
Será que por paraísos perdidos?
Quantos amores terão suas marcas?
Quanta saudade existirá em seu peito?
Quanto do homem que hoje existe
terá sido construído a partir dos seus sonhos?
Por onde andará o poeta que vez por outra me habita?

TIRA O ESPINHO DA FERIDA



NALDOVELHO

Quantas coisas tortas, loucas,
quantas pontas frouxas, soltas,
quantos barcos a deriva,
quantos becos sem saída,
quantas trilhas proibidas.
Nos atalhos desta vida
tens o dedo na ferida,
alucinam-me os teus ais.
Afiadas farpas nas entranhas,
se tu choras, eu me assanho,
quantas lágrimas, quanta manha,
quantas noites de insônia,
quantos sonhos desconexos
pela beira do abismo,
tens a perda dos sentidos,
desesperam-me os teus ais.
Versos cheios de vergonha,
quantos rios, quantos cios,
heresia brota insana,
corredeiras tão estranhas,
vê se esconde esta peçonha,
vê se abre esta janela,
vê se deixa de besteira,
tira o espinho da ferida,
dilaceram-me os teus ais!

Saturday, April 14, 2007

EM CIMA DA MESA



NALDOVELHO

As portas, os trincos, as trancas, tramelas,
janelas fechadas, carências, esperas,
fiquei tão sozinho, estranha quimera.
Junto ao abismo construí o meu ninho,
maresia que rola corrói as entranhas
e o vento que bate apaga a chama.
Nostalgia tamanha, incomoda e arranha.
O som de um piano, harmonia de enganos,
dissonâncias que a vida deixou de presente,
ainda as guardo comigo, todas latentes.
Cortina entreaberta, penumbra ambiente,
o rádio ligado, melodia estranha,
um poema com versos inquietos, profanos.
A campainha que toca, provável engano.
Faz tempo eu mudei, não avisei a ninguém!
Vivo trancado, só que ainda não sei.
Do caminho, passagem, perdi minha chave!
As lágrimas que eu tenho, conservo-as acesas,
e os muitos guardados revelam tristezas,
e os muitos poemas testemunham a cena.
Testamento que eu deixo em cima da mesa.

Saturday, April 07, 2007

ESTRANHO RITUAL



NALDOVELHO

Fio, pavio, chama...
Velas acesas espalhadas pelo quarto.
Roupas amarrotadas amontoadas num canto.
Na mesa de cabeceira o retrato dela.
Na cômoda, perto da janela,
a imagem do um santo:
São Sebastião do Rio de Janeiro.
Em volta do pescoço, cordão e crucifixo
e um olhar perdido, voltado para a janela,
percebe sombras, ruas, noites, esperas.
Um perfume suave toma conta do ambiente.
Uma vitrola antiga toca um disco da Gal.
Baby! Te amo, te amo, te amo.
O tecido esgarçado, apesar de cerzido,
mostra uma história com muitos desencantos.
Dor de ferida que corrói as entranhas.
Uma nostalgia estranha toma conta das horas
e as velas permanecem acesas.
Muitas sombras passeiam pelo quarto.
Estranho ritual!
Saudade, nostalgia, desencanto,
tudo regado à aguardente...
Gal ainda canta: Força Estranha!
Estranho ritual.
Fio, pavio, chama...
Velas acesas incendeiam o quarto.

Friday, April 06, 2007

REVELAÇÕES


Arte: ANNA BARROS - ENIGMA

NALDOVELHO

Letras esquisitas, destrambelhadas, proscritas,
constroem poemas rebelados, estranhos.
São gritos de clausura, loucura, delírio,
imagens insanas reveladas em meus sonhos.
Poemas inquietos, sementes urgentes,
letras ardidas, molhadas, indecentes,
gotejam impunemente e revelam segredos.
Revelam o amor que eu trago escondido,
revelam o esconderijo, o refúgio, o abrigo,
revelam janelas, faz tempo, fechadas
e portas convenientemente trancadas.
Revelam ventania que venta aqui dentro,
revelam calmaria que reina lá fora
e a serventia dos versos que afloram.
Revelam a dor que existe em meu corpo
e o desconforto, lado esquerdo do peito,
revelam o orgasmo dolorido, contido,
revelam seu cheiro, ainda o tenho em meus dedos,
revelam marcas, cicatrizes, tatuagens,
equivocadas escolhas, caminhos, bobagens,
distâncias enormes, esperas, saudades...
Revelam um inverno, chuva fina e insistente,
apesar do outono desobediente lá fora,
revelam que a poesia transborda, derrama,
ainda quê, em letras promíscuas, profanas.


Wednesday, April 04, 2007

ÀS MULHERES GUERREIRAS



NALDOVELHO

Sei da fonte de onde brota a guerreira,
sei da coragem que transpira mulher,
sei que nos campos de batalha
és sempre a primeira a guiar teu povo,
a perceber ciladas, a derrubar barreiras,
para que possam seguir sempre em frente.

Sei do mel que escorre dos teus olhos,
e da generosidade amiga do teu colo,
sei que és palavra abrigo às tormentas,
e que no furor das batalhas,
não trazes nas mãos sangue inocente.
Conheço tua têmpera, sei também que trazes
a força e a justeza dos puros de coração.
Sei dos teus sonhos e do quanto eles podem curar.

E ainda que haja a espera, a distância e a perda,
sei que a danada da saudade
não será capaz de te matar,
pois tens a benção dos ungidos,
dos que conhecem os segredos das águas,
do fogo, da pedra e do ar.

Sei que trazes nas mãos as sementes
da Paz que ainda há de chegar.

Tuesday, April 03, 2007

AO ESCREVER POEMAS


ARTE: JOANA ARA PONS

NALDOVELHO

Tenho a mão pesada ao escrever poemas,
abro, no papel, profundos sulcos, tipo, leito de um rio,
por onde navegam palavras, pensamentos, histórias,
coisas colhidas nas trilhas desta vida.

Não acaricio as palavras, espremo-as,
até ter delas seu sumo, seus significados.
Uso cores agressivas, por vezes exuberantes,
quando tento passar uma mensagem.

Quando falo de saudade prefiro o cinza,
nostalgia navega em branco e preto
e a revolta em águas barrentas, sempre!
Estou mais para a realidade, a vida me fez assim!

Tenho a mão pesada aos escrever poemas,
machuco o papel, até perceber que ali existe
sangue, suor, saliva, sentimento,
não sei escrever sem expor feridas.

Parir versos é remexer nas entranhas,
é cutucar cicatrizes, fazê-las ardidas,
só assim o poema sobrevive
e eu consigo exorcizar minha dor.

BICHO HOMEM



NALDOVELHO

Cada ponto, cada pedra,
cada trecho do caminho,
tem ciladas, tem espinhos,
tem o cheiro da incerteza.
Lua cheia quando nasce,
crescem garras, crescem presas,
e eu só sei que o bicho homem
ainda fere se tem medo,
ainda mata se tem fome.

Toda história tem segredos,
toda a trama tem mistérios,
marcas, rastros, seus relevos,
tem fissuras, cicatrizes.
Mar revolto quando chega,
embarcação fica a deriva,
e eu só sei que o bicho homem
ainda chora se tem sede,
ainda foge dos seus sonhos.

Cada gota do meu sangue,
cada gesto de ternura
tem um pouco de loucura
e tem por traz a sede e a fome.
Ventania quando chega,
vem trazendo tempestade,
e eu só sei que o bicho homem,
se troveja, se esconde,
e rasteja e rasteja...
já nem sabe mais seu nome.

Sunday, April 01, 2007

O QUE VOCÊ VAI FAZER DO RESTO DE SUA VIDA



NALDOVELHO

Na força dos ventos, outono dos dias,
um murmúrio, um sussurro, um recado dos longes,
um segredo que a vida escondeu já faz tempo.
Melodia que insiste, dolorida e tão plena,
muito mais que um poema, na verdade um romance,
sem dia e hora para terminar.
Na força das águas, uma voz surpreende,
pensamentos, verdades, sentimentos perenes,
uma história que a vida não ousou consumar.
A lembrança de um beijo, cabelos, fios, tão finos,
e um sorriso abusado num olhar contundente.
Ainda bem que é um sonho, pois a pele ainda é fina,
volta e meia costuma sangrar.
Na força de um sonho, melodia que arde, arranha e incomoda,
uma pergunta que o tempo não ousou responder.
E por mais que nos doa, Della Reese ainda soa,
Michel Legrand ao piano:
O QUE VOCÊ VAI FAZER DO RESTO DA SUA VIDA?
Melhor nem pensar!

Wednesday, March 28, 2007

ERA UMA VEZ UM QUARTO



NALDOVELHO

Era uma vez um quarto e dentro dele, na cabeceira da cama, uma mesa e em cima da mesa uma jarra e um copo, cheios d’água. E assim felizes, tranqüilos e integrados, como se tivessem sido feitos uns para o outro: a água na jarra e no copo.

Foi num dia qualquer de maio quando alguém desastrado passava, ao esbarrar na mesa os derrubou. O copo e a jarra pelo chão aos cacos, e a água no tapete derramada.

Era uma vez a poeira que pelas frestas da janela, invadiu todo quarto e ao tapete encharcado como uma intrusa se entranhou. A água, antes concubina do copo, agora ao tapete amasiada, à poeira também se integrou. Desse triângulo estranho surgiu um filho bastardo que alguém por pura piedade, de mofo, batizou.

E foi nesse cenário tristonho que a água, antes cristalina, refrescante e faceira, em umidade se transformou. E que junto ao tapete, à poeira, ao mofo, à jarra e ao copo, hoje em cacos, espalhados pelo quarto, foi o que restou!

Era uma vez um quarto: vazio e abandonado, que vez por outra o dono entrava com desconsolo, naquele cenário tristonho de cama ainda desfeita, lençóis sujos pelo chão espalhados, travesseiro empoeirado num canto jogado, um horror!

Certa feita tão descuidado, em dia de chuva, apressado e com os pés sujos de lama, mais tristeza ao quarto levou.

Acho que quase um ano se passou. Foi num dia qualquer de setembro, a porta se abriu e alguém diferente entrou. Olhou para aquele cenário e chorou! Abriu a janela depressa para o sol poder tomar conta, varreu a poeira e os cacos, tirou do tapete o mofo, e nos livrou da lama no quarto. Trocou travesseiros e lençóis, depois se aconchegou em paz no silêncio que agora reinavam, e feliz, realizada, deitou e descansou.

Foi num dia qualquer de novembro, ao certo, já não me lembro! Curioso fui ver como estava o quarto, e dentro dele não mais encontrei a solidão. Encontrei a cama arrumada e na cabeceira da cama uma mesa, e em cima da mesa uma jarra e um copo, e dentro deles, água limpa, fresca e cristalina. Olhei pela janela e vi lá fora perdidos, a lama e a poeira.

Dizem que o mofo, coitado! Pelo sol ferido de morte, não resistiu e morreu.

E os sapatos? Favor deixar na porta, é para manter limpo e saudável o interior.